Regime de bens, traição e multas: planejamento matrimonial pode ser realizado em diferentes momentos de um relacionamento
O planejamento matrimonial pode ser realizado em diferentes momentos de um relacionamento. Através dele, pode-se organizar a relação já existente e definir, de forma conjunta, os termos do seu prosseguimento, como por qual regime de bens ele será regido, e de eventual término.
Mais do que isso, ele possibilita até a existência de uma multa em caso de infidelidade e outras questões que sejam relevantes, de ordem financeira, existencial ou até mesmo quanto à forma de resolução de eventuais conflitos futuros.
Caroline Pomjé, sócia da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados, mestre em Direito Privado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutoranda em Direito Processual Civil pela USP (Universidade de São Paulo), tira as principais dúvidas sobre o procedimento.
Quais casais devem realizar o planejamento matrimonial? Quais as vantagens e desvantagens?
Todos os casais, independente do tempo de relacionamento, podem realizar o planejamento matrimonial. Isso porque o planejamento em questão viabiliza maior segurança e previsibilidade ao casal.
O planejamento é feito por meio do prévio estudo da situação e dos interesses do casal e da elaboração de instrumentos que auxiliem na definição de questões patrimoniais e existenciais. Uma dificuldade verificada para a realização do planejamento matrimonial está na circunstância de que falar abertamente sobre finanças, por exemplo, ainda é um tabu em muitas famílias.
Ao mesmo tempo, é justamente por meio do diálogo que eventuais barreiras sobre o tema podem ser superadas, autorizando que os envolvidos tenham maior tranquilidade em relação ao assunto. As vantagens da realização do planejamento matrimonial, assim, alinham-se à organização da relação já existente e à definição, de forma conjunta, sobre os termos do seu prosseguimento e de eventual término.
É possível realizar alterações após a escolha do regime de casamento?
Sim. O regime de bens escolhido para o casamento ou para a união estável pode ser alterado pelo casal, respeitado procedimento específico para tanto e ressalvados direitos de terceiros. Tal análise pode ser realizada no âmbito de um planejamento matrimonial, podendo ser cogitada, inclusive, a partilha dos bens até então adquiridos pelo casal e o prosseguimento da relação, após a alteração do regime de bens, sob outro regime patrimonial. Deve ser destacado, ainda, que existem situações em que o regime da separação de bens é obrigatório, de modo que tal circunstância também deve ser avaliada no diagnóstico da situação de cada família.
Como funciona a multa em caso de infidelidade?
Um tema bastante discutido no Direito de Família nos últimos anos tem sido justamente a possibilidade de inclusão de multa, em pactos antenupciais ou contratos de convivência, aplicável em caso de infidelidade de uma das partes. Apesar de causar estranhamento em muitos, a previsão desse tipo de multa já foi reconhecida como possível pelo Poder Judiciário, desde que respeitados princípios como a igualdade entre os cônjuges e a dignidade das partes. Alguns questionamentos subsistem, sendo que um dos mais relevantes está na própria caracterização dos atos que correspondem à infidelidade.
Quais são as outras questões que o planejamento matrimonial pode definir?
Além das disposições patrimoniais passíveis de inclusão nos instrumentos de planejamento matrimonial, aspectos existenciais também são albergados por tal análise. Desde a possibilidade de conversão da união estável em casamento – facilitada pela recente Lei n.º 14.382/2022 –, passando pela alteração do nome dos conviventes e dos cônjuges logo no início da relação conjugal ou durante sua ocorrência e chegando a disposições de caráter íntimo, vinculadas à rotina familiar e até mesmo aspectos relacionados ao eventual rompimento da relação – viabilizando a inclusão de disposições sobre a aplicação de penalidades pecuniárias em caso de término em virtude de infidelidade, por exemplo. Especificamente em relação ao patrimônio, é possível que o casal defina um regime de bens base para o relacionamento e determine inclusões e exclusões de bens específicos, viabilizando uma “customização” do regime à sua realidade e necessidades.
Qual o posicionamento do Poder Judiciário sobre isso?
O Poder Judiciário vem reconhecendo a existência de um espaço de autonomia privada reservado ao casal para a definição tanto das questões patrimoniais quanto existenciais vinculadas ao ambiente familiar. Existem, evidentemente, limites a serem observados quando da realização de qualquer planejamento matrimonial. Tal circunstância não inviabiliza o exercício da autonomia pelo casal, apenas delimitando quais as alternativas seguras para a concretização de um planejamento matrimonial que atenda aos interesses e necessidades daquele casal.